segunda-feira, 20 de abril de 2020

Tieta.

Tieta cisca o chão toda desengonçada, é a galinha mais torta e mais
feia que existe no mundo.
Ela manca e anda tipo que chutando uma bola invisível; não tem uma cor definida, é meio
que russa, cor de sujeira mesmo, crista esbugalhada e bico esquisito.
Tem problemas de coluna devido a uma paulada que levou uma vez,
safando-se  da morte certa, só não foi pra panela ainda porque o povo
aqui em casa tem nojo da Tieta, nem ovo bota mais, o galo já largou mão
faz tempo.
Outro dia tava a Tieta, andando pelo quintal que nem o Michael Jackson, e o galo
meio que sem assunto, teve uma recaída, só que fazia tanto tempo que ele não
pegava a Tieta, que não sabia que lado que era a coisa.
A Tieta ainda quis fazer um doce de correr, deu dois passos tropeçou e caiu coitada,
foi só poeira que subiu no terreiro, o galo achou aquilo muito desaforo e saiu pra outro
canto, deixando a Tieta no chão com as quatro rodas pra cima, por assim dizer.
Ela se levantou numa voadora, deu uma chacoalhada na poeira, falou qualquer coisa pro galo
e saiu de cabeça erguida rumo ao galinheiro.
Aqui no sítio tem de tudo, o galo mesmo se chama trovão, quando pega uma galinha faz um
barulho tão estranho que a gente tem que sentar pra dar risada.
É pato, marreco, vaca, coelho, tem muito bicho, nosso cachorro chama Zaroio, adivinha
porque né, de tão velho vive dando cabeçada nas coisas, mas é nosso amigão.
Amo tudo aqui, é o meu paraíso, não troco por nada, agradeço à Deus todos os dias.
Quando chega de noite, pego meu banquinho e sento na porta da cozinha pra ver a escuridão,
 de vez em quando passa uns riscos brilhantes no céu, deve ser Deus arrumando alguma coisa
no mundo que está de cabeça pra baixo.
Pego um café no fogão de lenha, acendo um pito e fico assuntando com a Maria, o que
a gente vai fazer amanhã.
Temos tudo que precisamos aqui: fartura, alegria, amor e Deus!
Mas, mesmo aqui tragédias acontecem, a Tieta morreu ontem, o Guará pegou ela, até o
galo ficou triste, como eu disse: aqui acontece de tudo!