quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Cidade dos miseráveis.

Alguém chorou pelo jovem sem futuro vendendo doces no semáforo.
Alguém que deu moedas, e depois criticou o pedinte miserável da esquina.
Alguém que viu um assalto, um assédio, ainda se esconde nas sombras do seu mundinho.
Uma rebelião de vergonha na cara seria bem vinda!
Você que dá graças a Deus, todos os dias por ter nascido branco num país racista.
Você machão que morre de vontade de dar o rabo.
Você que tem medo do homem que acha que ama.
Vivemos, consumimos e cultuamos a hipocrisia.
Simplesmente não temos tempo para isso!
Não desista, mesmo preso em correntes do atraso, elas se quebrarão se você persistir.
Não desista, mesmo parecendo impossível e sendo minoria.
Não desista de seus sonhos, as ruas estão cheias de pessoas como você, que não lutam.
A liberdade tem um preço, a justiça tem um preço, os sonhos têm um preço! Às
vezes pago em lágrimas e lutas, às vezes com sangue!
Olhe a sua volta... se você desistir, que será dos outros?
A esperança não dorme.
Há pessoas que não deveriam governar, mas governam.
Há pessoas que não deveriam existir, mas existem.
Por isso lute, por um mundo, um país, uma cidade, onde uma música, uma flor,
uma ideia, seja mais forte que o aço.
Não desista, mesmo sendo o único!
Alguém ganhou dez por cento de propina daquela ponte.
Alguém ateou fogo num mendigo.
Alguém anda com sapatos brilhantes pela cidade!

Meu bolero.

Eu só queria que você me perdoasse  o inconveniente de estar aqui presente
no seu casamento.
Mas queria ver com meus próprios olhos a tua falsidade com o seu novo amor.
O teu teatro é digno de prêmio, pela sua atuação impecável.
Neste dia de festança, pelo menos uma dança quero com a noiva bailar.
Não me importa o que as pessoas vão dizer, sei que não vai me recusar.
Porque esse corpo já foi meu, mas foi vendido a outro homem.
Porém, teu amor dinheiro nenhum pode comprar, pois fui eu quem te ensinou a amar.
Dói na alma só de pensar que a noite vai passar em mãos alheias a te acariciar.
Que lábios, braços e coxas, vão se entrelaçar, amar, suar, na madrugada fria.
Pela manhã não existirão mais segredos, só você chorando no chuveiro.
E do outro lado da cidade, o pobre poeta com o coração rasgado pensa numa rima,
num verso, ou apenas um bolero para não enlouquecer!

sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

Jovem para sempre.

Minha percepção muda conforme me adapto a essa nova fase.
Meu cérebro se confunde com as nuances de gravidade, que às vezes acontece.
Mergulhos vertiginosos no vazio aparecem do nada.
Sinto que as respostas para todas as perguntas estão muito perto.
Eu sinto a transformação acontecendo.
Me vejo em sonhos em que eu sou muitos, e que muitos sou eu.
Me vejo em campos de horrores e sangue, de flores e paz.
Me vejo sair pelo único caminho possível.
No meu céu não existem mais estrelas, elas caíram no meu mar de lágrimas para
iluminar as profundezas dos meus pesadelos.
Meus erros me perseguem agora, mas eu os ignoro.
O tempo é o grande vilão da história, ele pode te matar de tédio.
Um amor antigo pode aparecer de repente, mas é sempre tarde de mais para amar a
pessoa errada.
Volto a ser criança, posso voar e ler mentes, sou novamente um caçador de aventuras.
Tropeço na realidade e volto a ser eu mesmo, muita coisa me separa de tudo agora.
Meu corpo flutua, mas não voa, chamo por alguém que nunca virá.
Enquanto espero, envelheço, e tudo termina aos poucos.
Minha voz  apenas ecoa no vazio, um grande nada, escuro e frio.
Então é isso! Se morre como um poema que chega ao fim.